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O Segredo das Massas de Torta e Quiche: Informações Complementares I : INGREDIENTES DA MASSA

Written sexta-feira, 25 de junho de 2010 | 01:29

Como achei que o post aqui publicado, Os Segredos das Massas de Torta e Quiche: Um Cientista na Cozinha, baseado no livro Um Cientista na Cozinha, do Hervé This, havia deixado algumas lacunas, mandei buscar dois livros de culinária científica na livraria virtual Amazon.com com objetivo de preenchê-las e termos mais embasamento para fazer nossas massas da forma mais perfeita possível, entendendo nossos acertos e simultaneamente corrigindo os erros de nossa prática.
Comprei The Science of Cooking (que vou chamar de livro 1), do Peter Barham, e The Inquisitive Cook (que chamarei de livro 2), de Anne Gardiner & Sue Wilson. Este último trata especialmente de massas para tortas doces, todavia muitos dos princípios são os mesmos para as tortas salgadas. Naveguei por diversos sites em inglês, além dos em português, e vi muitas dicas sobre como obter uma massa de torta perfeita, mas aqueles realmente significativos e de muita valia foram Whats Cooking América, Fine Cooking e Fantes. Penso que agora nossos conhecimentos ficarão mais completos, embora não totalmente completos, porque acredito que sempre teremos algo mais a aprender e que é isto que faz a vida ser interessante. No dia em que eu achar que aprendi tudo, cavo meu túmulo, deito-me dentro e ficarei “com a boca escancarada, cheia de dentes, esperando a morte chegar”, pois a vida deixará de ter seu sal, seu sabor, seu sentido...

Para que o assunto ficasse mais simples, dividi-o em Informações complementares I e II, e os publicarei em dois posts consecutivos. No primeiro, encontrar-se-á a importância científica dos Ingredientes da Massa e, no segundo, a importância científica do Preparo da Massa.
INGREDIENTES DA MASSA

1. Temperatura dos ingredientes: todos os autores são unânimes ao afirmar que a gordura (manteiga, margarina, banha etc.) e o líquido, ou líquidos, usados (água, leite, creme de leite, ovos etc.) devem estar bem gelados, objetivando reduzir a formação do glúten, o qual, na presença de líquido e de uma manipulação exagerada da massa, forma uma rede dura e elástica que é responsável por gerar uma massa de torta rígida. Outros autores são tão perfeccionistas que consideram que todos os ingredientes devem sair diretamente da geladeira para a tigela ou processador, além de gelarem a tigela e o garfo para misturar a massa. Por quê? Porque a baixa temperatura dificulta a formação das cadeias de glúten e o resultado final, logicamente, será uma massa mais delicada e macia (livro 1: p. 180). Se, ao contrário, você esquentar a massa passando para ela o calor de sua mão, ela ficará dura após assada, pois o calor facilita a formação de glúten.

2. Farinha de trigo: a quantidade de proteína na farinha de trigo é muito importante na qualidade final da massa. Quanto mais proteína, mais glúten e mais possibilidade de se obter uma massa endurecida. Leia sempre a tabela que vem impressa no saco de farinha de trigo, chamada de Informação Nutricional (foto 3) (livro 2: p.81). Ex: se para 50g de farinha há 5g de proteína, então a farinha contém 10% de proteína. Se estiver escrito que tem 6g de proteína numa porção de 50g de farinha, haverá 12% de proteína. A melhor farinha para uma massa de torta/quiche macia será aquela com menos proteína, a qual resultará em menor formação de glúten e, consequentemente, numa massa mais branda ou macia. Então, no caso das duas farinhas acima, a melhor escolha é a com 5g ou 10% de proteína. A percentagem ideal de proteína na farinha para massas de torta, segundo o Livro 2, é de 7,5-9%. Aqui em Fortaleza nunca vi. A de menor quantidade de proteína que encontrei tem 10% (5g numa porção de 50g).

Quando se usa uma farinha de trigo que contenha mais proteína (mais de 12-13%), para a massa sair mais macia deve-se aumentar a quantidade de gordura, pois isto faz com que se formem apenas cadeias curtas de glúten (livro 2: p.88), obtendo-se, assim, uma massa mais delicada e quebradiça.

3) Gordura (manteiga, margarina, banha etc.): Já dissemos que a gordura deve estar bem gelada, entretanto há quem diga que o ideal para reduzir a formação de glúten é usá-la congelada, embora um dos autores pesquisados afirme que a gordura congelada não é melhor do que a gelada. Bem, além de ter que estar gelada, ela deve ser cortada em cubos bem pequenos, tendo em vista que isto fará com que a gordura envolva mais facilmente os grãos de amido, processo este que é um redutor da formação de glúten. Em inglês, as gorduras são chamadas de “shortning”, que significa encurtamento, em virtude tanto de dificultarem a formação de glúten como de tornarem mais curtas as cadeias de glúten que conseguem formar-se, obtendo-se, conseguintemente, uma massa mais delicada, mais macia.

O tipo de gordura que você usa afetará tanto o sabor como a textura da massa, enquanto a quantidade afetará a sua maciez. Uma massa de textura escamosa, que é considerada a massa perfeita, se obtém quando pedacinhos não derretidos de gordura ficam entre camadas e camadas de farinha, de forma que quando a gordura é derretida pelo calor do forno, as camadas de farinha ficam superpostas uma sobre as outras, dando a tal textura escamosa da massa.

Algumas massas usam óleo, o qual envolve tão completamente os grãos de amido que não se desenvolvem cadeias de glúten. Embora a massa resultante seja muito macia, ela é farinhenta e não, escamosa, como as que usam manteiga, margarina ou banha (livro 2: p.89).

4) Líquidos: Têm a função de umedecer a massa e, se empregados na quantidade certa, formarão algumas gomas que darão liga à massa, porém, sem endurecê-la. A água é um dos líquidos bastante utilizados. Use-a sempre gelada e coloque apenas o suficiente para umedecer a massa sem ensopá-la. O ideal é colocar a água borrifando com as pontas dos dedos e amassando delicadamente, até perceber que a massa está úmida e homogênea. Água extra tende a gerar glúten extra e o resultado desagradável de uma massa dura. Tudo que foi dito acima é verdadeiro para todos os líquidos, quer seja água, leite, ovo, creme de leite ou qualquer outro ingrediente que contenha água ou leite em sua composição.

O ovo exerce várias funções sobre a massa: 1) a clara do ovo torna-a mais rígida e resistente, o que é bastante desejável quando se utiliza um recheio pesado, o qual não seria suportado por uma massa macia e quebradiça. A clara de ovo contém 90% de água e 10% de proteína. Se você utiliza dois ovos de 51g, estará inserindo na massa 91,8g de água (muita água, não é?) e 10,2g de proteína. A água da clara ajudará a fazer a união entre os grãos de amidos e formará mais glúten durante a manipulação, se esta for exagerada; já as proteínas -- que se coagulam com o calor -- ajudarão a fortificar a massa, a qual será bem mais forte do que aquela que leva somente água; 2) a gema tem uma quantidade mínima de água (7%), sendo desprezível a formação de redes de glúten quando ela é empregada como único elemento umedecedor. Observe que toda massa que leva somente gema é do tipo quebradiço ou podre, pois sua quantidade de água é muito pequena e suas proteínas, quando coaguladas pelo calor do forno, unem os grãos de amido de forma muito fraca, fazendo a massa ficar quebradiça.

O creme de leite constitui um ótimo umedecer. Como tem água e gordura em sua composição, será a proporção presente destes elementos que determinará se ele fará a massa ficar mais, ou menos, macia . Leia sempre o rótulo com as informações nutricionais. O creme de leite Itambé de caixinha, que é o meu preferido por ser mais espesso, tem 20% de gordura (por isto mesmo ele é mais espesso). Lá no rótulo você verá que em 15g de creme de leite há 3g de Gorduras Totais, isto é, 20%. Lógico que qualquer creme de leite fará uma massa menos dura do que aquela em que se usa apenas água, em virtude da gordura presente na sua composição. Quanto maior for a percentagem de Gorduras Totais no creme de leite, maior a maciez da massa, porque maior a quantidade de gordura, que é um dos redutores de glúten. Lembre-se que está subentendido uma delicada manipulação da massa. Se a massa for sovada, só um milagre a fará ficar macia. Bem, como milagres não acontecem na minha cozinha – até agora, gente! --, uso as pontas dos dedos quando manipulo uma massa que quero que fique macia, tratando-a com a gentileza devida a uma fina dama da mais alta sociedade londrina de antigamente (só sei delas por romances: eram hipermimadas pelos gentis cavalheiros de outrora – o que devia ser deliciosíssimo, imagino).

Outro líquido usado para umedecer a massa é a vodka. Composta de 60% de água e 40% de álcool, ela adiciona umidade à massa sem aumentar a formação de glúten em virtude do glúten não se formar na presença de etanol (álcool). Preconiza-se substituir metade da água da receita por vodka. Desta forma, uma massa que leva 120ml de líquido, em que metade dele é substituído por vodka, quando o álcool for evaporado durante o cozimento, a torta ficará com apenas 96ml de água, resultando numa massa bem mais delicada e macia (site Serious Eats).

Dois líquidos empregados, embora raramente, são o vinagre e o suco de limão, todavia não com a função de umedecer a massa. Qual o objetivo, então? Tornar macia a massa da torta. Como o vinagre e o suco de limão são ácidos, eles agem quimicamente sobre as cadeias de glúten, quebrando-as e mantendo a massa, portanto, mais quebradiça e macia (livro 2: p.83). De acordo com o site Diana’s Dessert, a quantidade ideal a ser usada para alcançar os objetivos acima preconizados, sem alterar o sabor da massa, é de 1 colher de chá (5ml) de vinagre ou de suco de limão para cada xícara de chá (240ml ou 120g) de farinha de trigo da receita.

Um grande abraço, Laura Lucia
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Sei que poucas pessoas se interessam por tantas pesquisas e detalhes, mas sou maníaca por informações científicas e adoro testá-las na cozinha. E, se minha famosa preguiça faz optar-me por receitas simples, não tenho preguiça alguma para testar algo que desejo. Sou capaz de despender dias e meses testando, e com o maior entusiasmo do mundo!!! Assim, quem achar cansativo tão detalhado post, passe por cima e vá direto para as receitas, que pode ser bem mais divertido. Todavia, para os que têm paciência e desejam aprofundar-se no assunto, vêm mais umas coisinhas interessantes por aí...

Aguarde o próximo post: O segredo das massas de torta e quiche. Informações complementares II: PREPARO DA MASSA

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